sábado, 25 de setembro de 2010

Chegada , impressões e realizações



Olá, chamo-me Rute Moura, completo a especialidade de pediatria dentro de alguns meses, e abracei o projecto de colaboração do serviço de Pediatria do Hospital São João com os cuidados de Saúde Infantil na Ilha de São tomé.

Aquando da minha chegada, em finais de Julho, decorreram as eleições para formação do novo governo na ilha, processo que decorreu pacificamente nas urnas de voto, como decerto saberão pela comunicação internacional. Em contraste com muitos países europeus, em São Tomé e Príncipe a taxa de abstenção foi quase nula, demonstrando o interesse da população no processo eleitoral. São Tomé é uma democracia jovem e por isso com grandes desafios pela frente, entre outros aspectos no que diz respeito à Saúde Infantil.


O meu colega de internato de especialidade, Américo, que me precedeu, integrou-me na dinâmica do Hospital Ayres de Menezes, onde participo diariamente, no internamento e na consulta externa, com actividade assistencial.



Continuidade

Deixou, com a sua partida, um protocolo para recuperação e reabilitação de crianças com malnutrição aguda grave provenientes de diversos locais da ilha. Esse protocolo contempla um espaço próprio, individualizado dentro da enfermaria geral, para acolher estas crianças, bem como medidas nutricionais e farmacológicas, tendo por base as recomendações da Organização Mundial de Saúde.


Com todo o gosto, e reconhecendo-lhe mérito, vou acarinhando esse projecto, a braços com dificuldades diárias relacionadas com o baixo nível educacional das mães, a estrutura familiar precária, os recursos escassos a nível hospitalar e comunitário e as crenças culturais ainda bem enraizadas no espírito popular.

Por exemplo, algumas comunidades recusam oferecer leite artificial ao bebé após o nascimento quando o leite materno é insuficiente para garantir o seu crescimento.


Nesse esforço, conto todos os dias com a presença, apoio e inteligência de uma colega santomense que merece toda a minha admiração – a Drª Swasilanne Sousa.



Logo após as primeiras semanas tornou-se bastante claro que o maior desafio não será tanto o inovar – as necessidades são imensas – mas o dar continuidade e sustentabilidade às iniciativas que se escolham, ponderadamente, fazer.

Neste sentido, a minha contribuição para a “Enfermaria de Nutrição” incluiu até ao momento o aspecto assistencial (direccionado à criança doente), o aspecto educacional ( junto das mães) e o aspecto formativo (direccionado aos profissionais de saúde).


Gostaria de me demorar mais um pouco neste último ponto.


Capacitar para Desenvolver

A formação e capacitação dos profissionais locais constitui, provavelmente, a melhor oportunidade de contribuir para o desenvolvimento e qualidade sustentados dos serviços de saúde dedicados à criança.


Como tal, organizamos, eu em paridade com a Drª Swasilanne, um curso de formação vocacionado para os enfermeiros do serviço, acerca do seu papel numa enfermaria deste tipo. No curso, com duração de dois dias, foram contemplados aspectos puramente técnicos, nomeadamente as medições antropométricas, o uso das curvas da OMS para monitorizar o crescimento e o estado nutricional, e os critérios da OMS para malnutrição infantil segundo a sua gravidade; seguiu-se uma descrição sobre as determinantes específicas locais para a malnutrição infantil que existe na ilha; e por último uma reflexão sobre as atitudes e competências que deverão existir na equipa de enfermagem para melhorar os cuidados prestados em ambiente hospitalar.


Os registos como espelho de atitudes

Um componente importante desta formação foi a elaboração e discussão de um protocolo de registo sistemático de dados clínicos pelos enfermeiros, de modo a serem comtemplados, sem esquecimento, todos os necessários à tomada de decisões terapêuticas na criança malnutrida.



Conhecer o que se tem, monitorizar o que se faz

Foi elaborado também, e aguarda aprovação, um protocolo de seguimento destas crianças após a alta hospitalar, flexível em duração, num tempo programado mínimo de 6 meses.

Este protocolo foi baseado em documentos oficiais da OMS, publicados e acessíveis no respectivo site oficial. Contempla os dados individuais, dados somatométricos evolutivos, dieta real após a alta, comorbilidades detectadas e variáveis socioeconómicas da família e comunidade, que importa conhecer para planear intervenções futuras.

Em primeira fase, esse seguimento será realizado por profissionais do Hospital Ayres de Menezes.

A finalidade é assegurar uma recuperação nutricional a longo prazo quando a criança volta às vulnerabilidades do seu próprio contexto sociofamiliar, só possível, no momento actual, com a coordenação das estruturas de saúde nas comunidades locais e com o apoio de organizações como o PAM.

O envolvimento da saúde comunitária é por isso imprescindível e um enorme desafio.


O melhor em qualquer lugar do mundo

Entre dificuldades e trabalhos posso também contar diariamente com pequenas grandes alegrias...



Na próxima semana espero poder já escrever as outras novidades que ainda ficaram por contar.

Um abraço para todos de São Tomé.