quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Acção Global


Uma vez que com este projecto de parceria entre o Hospital de S. João e o Hospital Central Ayres Menezes haviam sido iniciadas acções para o tratamento da desnutrição a nível hospitalar, foi realizado um esforço particular no alargamento dos cuidados no âmbito desta problemática.


Acção hospitalar central

O trabalho desenvolvido em torno da desnutrição iniciou-se, como já tiveram oportunidade de ler aqui, pela criação de uma enfermaria independente para as crianças desnutridas e pela introdução de recomendações (OMS) no tratamento da desnutrição aguda grave. Na tentativa de alargar o atendimento a estas crianças mantendo atitudes uniformes foi criado um protocolo de seguimento para estas mesmas crianças, de forma a manter os cuidados após a alta e também como forma de seguir as crianças desnutridas sem necessidade de internamento em ambulatório.


As crianças que são observadas no serviço de urgência e na consulta externa nas quais é detectada malnutrição podem, consoante a gravidade, necessitar de internamento ou apenas de acompanhamento em consulta diferenciada. Um seguimento rigoroso destas crianças prevê uma intervenção multidisciplinar que abrange cuidados nutricionais, emocionais, psico-sociais e económicos que necessitam de atenção e dedicação particulares, e foi na perspectiva de atingir tal objectivo que se procurou estabelecer um protocolo de seguimento.

Foi apresentada esta proposta de seguimento em reunião com a direcção do hospital e com o restante corpo clínico.




No âmbito de formação de equipas multidisciplinares é naturalmente obrigatório capacitar todos os seus intervenientes, nomeadamente a equipa de enfermagem que tem um papel de relevo nos cuidados a estas crianças. Assim, foram realizadas sessões com os enfermeiros do hospital sobre o crescimento infantil normal edesvios da normalidade, assim como atitudes preventivas da desnutrição e outros cuidados primários.



Junto das mães e cuidadores das crianças malnutridas o trabalho é moroso e os resultados positivos difíceis de alcançar. Auxiliam a equipa médica e de enfermagem uma equipa de nutricionistas que intervém mais intensamente no momento da alta hospitalar com recurso a apoios à família na forma de alimentos e indicações dietéticas através da utilização de alimentos mais facilmente disponíveis e acessíveis. Para além desta intervenção foi proposto a essa equipa um esforço extra para realização de sessões de esclarecimento semanais no serviço junto das mães e cuidadores destas crianças com desnutrição aguda grave. Desta forma tem vindo a estabelecer-se uma maior confiança e adesão ao tratamento.



Além do protocolo de seguimento da criança desnutrida, foi também proposto junto da Direcção do Hospital e na mesma reunião acima mencionada um modelo de referenciação aos Centros de Saúde dos distritos destas crianças, que poderão ser inicialmente orientadas em consulta hospitalar e assim que possível transferidos os seus cuidados para a sua área de residência.

A articulação entre os cuidados hospitalares e os cuidados primários é primordial para o sucesso da intervenção nutricional no seguimento destes casos e, de um modo geral, essencial para o estabelecimento de um programa de combate à desnutrição.


Acção distrital

Foram realizadas também reuniões com os Delegados de Saúde de todos os distritos de S. Tomé onde foi apresentada a proposta de intervenção e acompanhamento da criança desnutrida, os referidos protocolos de seguimento e de referenciação aos cuidados nos Centros de Saúde.




Também nos Centros de Saúde foram realizadas sessões com todos os enfermeiros que aí prestam assistência à criança sobre o crescimento infantil, desvios da normalidade e identificação de crianças desnutridas, atitudes preventivas e terapêuticas da desnutrição.



O corpo clínico a nível distrital é reduzido e a assistência médica reservada para os casos mais graves ou complexos, pelo que os enfermeiros têm um contacto privilegiado com as crianças aparentemente sem doença que são assistidas nos Centros de Sáude. Capacitar estes profissionais para o reconhecimento das crianças em risco ou com graus ligeiros de desnutrição é um passo essencial para a implementação de um programa de combate à desnutrição.


Acção comunitária

Como já tive oportunidade de referir, foi estabelecida uma parceria com a HELPO em Outubro do corrente ano , que prevê intervenções a nível das comunidades sobre problemas frequentes, incidindo particularmente na prevenção primária. Propôs-se portanto que fossem realizadas sessões sobre Nutrição nos primeiros anos de vida, completando assim o trabalho realizado a nível dos cuidados de saúde do país.

As sessões foram realizadas nas comunidades de São José e da Saudade, seguindo-se Santa Catarina e Bemposta.



Tivemos a colaboração do Dr. Filipe Montenegro Silva, recém-licenciado em Medicina da Universidade do Porto, que nos acompanhou num estágio durante um mês e que esteve presente durante as formações às comunidades e com as equipas de enfermagem dos Centros de Saúde, participando activamente e com entusiasmo.





Tentou-se assim fechar um ciclo no que respeita à Desnutrição, intervindo a todos os níveis, comunidades, cuidados de saúde primários e cuidados diferenciados hospitalares.



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Reconstrução


Ao abrigo do Programa Saúde para Todos estiveram presentes durante a nossa estadia até ao momento missões portuguesas de Oftalmologia e Cirurgia Plástica e Reconstrutiva.
Durante a sua presença, a missão de Oftalmologia, constituída por dois médicos e uma enfermeira, dedicou-se ao tratamento cirúrgico de casos anteriormente seleccionados, proporcionando muitas alegrias aos doentes oftalmológicos são-tomenses. Foram também um auxílio muito importante em alguns casos que observámos na Pediatria.
Esteve também presente em S. Tomé na primeira semana de Dezembro o cirurgião plástico Dr. Carlos Correia, que durante a sua estadia observou cerca de 60 doentes em consulta externa, 90% dos quais com indicação cirúrgica na sua área, sendo que 95% destes se tratavam de sequelas de queimaduras. Alguns destes casos são pediátricos, mostrando a aparentemente elevada incidência deste tipo de acidentes no país.

O Dr. Carlos deu uma palestra no Hospital Ayres Menezes sobre as áreas de actuação da Cirurgia Plástica, essencialmente na área reconstrutiva, que inclui abordagem de queimaduras e suas sequelas, esfacelos de tecidos, cirurgia da mão e membros (electivas e sequelas de traumatismos em fase aguda), úlceras de decúbito, cirurgia oncológica particularmente da cabeça e pescoço, a reconstrução mamária e correcção de malformações congénitas.
A próxima missão de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva está prevista para Fevereiro do 2011 quando serão iniciadas as intervenções cirúrgicas e neste âmbito dado maior relevo à correcção de lesões com limitação funcional.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Novas parcerias

Após a nossa chegada foi estabelecida uma parceria com a organização HELPO, cuja actividade podem pesquisar aqui http://www.helpo.pt/

A primeira sessão nas comunidades decorreu no início de Outubro, ainda com a colega Rute Moura e subordinou-se ao tema “tratamento de feridas”.

Posteriormente realizou-se uma reunião com os representantes locais desta organização, em que se procurou perceber quais eram principais necessidades das várias comunidades, recorrendo à experiência daqueles que se dedicam a este tipo de actividade desde há vários anos e que estão presentes em S. Tomé e Príncipe desde o ano passado.

No âmbito desta parceria e considerando as necessidades que nos foram comuni
cadas como mais importantes, propusemo-nos fazer sessões dirigidas a todos os elementos das comunidades alargando o tema inicial um pouco mais, e sugerindo outros assuntos que se tornaram caros neste projecto como a questão da desnutrição. Assim, numa primeira fase iniciamos as sessões sobre Prevenção de Acidentes e Tratamento de Feridas e Queimaduras.



Posteriormente dedicar-nos-emos à Nutrição nos Primeiros Anos de Vida. As sessões que realizámos até ao momento foram extremamente gratificantes pois este contacto próximo com a população facilita a percepção das suas reais dificuldades, permitindo responder prontamente, apresentando soluções, e obtendo um retorno imediato.


Em S. Tomé



Olá a todos!

Chamo-me Daniela, sou interna de especialidade de Pediatria, e estou em S. Tomé e Príncipe para dar continuidade ao projecto de colaboração entre o Serviço de Pediatria do Hospital de S. João e o atendimento à criança em S. Tomé e Príncipe.

Estou acompanhada da colega Susana Branco, também interna de Pediatria, que comigo abraçou este projecto.

Fomos precedidas pela colega Rute Moura que nos integrou na actividade assistencial e formativa desenvolvida no Hospital Central Ayres Menezes e nos Centros de Saúde dos distritos de Lembá, Lobata e Água Grande.

O seu empenhamento e esforço, assim como dos nossos colegas Ricardo Bianchi e Américo Gonçalves, está espelhado em todas as estruturas em que nos movemos, mas principalmente nos rostos das mães e pais que com eles contactaram.

Rapidamente nos apercebemos que mais do que inovar necessitaríamos de imprimir o maior esforço na continuidade de todas as acções iniciadas.


Hospital Central Dr Ayres Menezes

A nossa actividade desenvolve-se principalmente no Serviço de Pediatria I, com 64 camas, lotação esta muitas vezes excedida. O tipo de patologias mais frequentes são do foro gastrenterologico, respiratório e hematológico. Contactamos também com outras doenças infecciosas, aqui mais prevalentes do que em Portugal, como infecção por HIV, malária e parasitoses.


Enfermaria de Nutrição

Este espaço integrado no Serviço de Pediatria I, em funcionamento desde Julho deste ano, tem tido uma taxa de ocupação elevada, o que reflecte um pouco a dimensão da malnutrição a nível nacional. Mantém-se o protocolo estabelecido para reabilitação das crianças com desnutrição aguda grave segundo as recomendações da Organização Mundial de Saúde, e associadamente tem sido feito um esforço para envolver todos os profissionais de saúde (enfermeiros, nutricionistas, médicos) nos cuidados especiais a estas crianças através de reuniões em que se discutem as formas de optimizar estes mesmos cuidados e corrigir as falhas.

No âmbito das conversas sobre Nutrição pudemos também inaugurar um espaço de refeição neste Serviço de Pediatria I.

Uma das maiores dificuldades continua a ser a manutenção dos cuidados nutricionais após a alta do internamento, uma vez que a desnutrição é resultado de factores sociais e económicos complexos e muito dependente de acções políticas de combate à pobreza e à fome.


Ainda o Hospital Central

Foi inaugurado no final do mês de Outubro o sector de Imagiologia do Hospital Ayres Menezes, com equipamento novo que permitirá o arranque da telemedicina em S. Tomé. A iniciativa desenvolvida pelo Instituto Marquês Valle Flôr contribuirá enormemente para a melhoria da prestação de cuidados de saúde à população santomense e diminuirá certamente o número de deslocações a outros países para realização de exames complementares de diagnóstico. A segunda fase deste projecto que permitirá a realização de teleconsultas através dos hospitais portugueses está prevista para Fevereiro de 2011. Aliado à formação local de recursos humanos, será um marco importantíssimo para a Saúde no país.


Distritos

Pudemos integrar as sessões formativas já iniciadas sobre desidratação em contexto de diarreia aguda. No distrito de Lembá os profissionais de saúde que assistem as crianças compareceram e participaram com entusiasmo.


A existência de atitudes uniformes (naturalmente actualizadas, mas também contextualizadas), como sabemos, pode trazer grandes benefícios na assistência médica. São estas tentativas de uniformizar atitudes que poderão concorrer para uma melhor articulação entre os diversos locais de assistência (postos/centros de saúde e hospital) e favorecer uma melhoria na eficácia dessa mesma assistência.

Até já!

domingo, 31 de outubro de 2010

Formação integral - Do Hospital à comunidade

Diversidade

O funcionamento dos cuidados de saúde em rede é um modelo organizativo com benefícios reconhecidos. Se o leitor português pensar no nosso próprio país, no longo caminho percorrido em pouco mais de 3 décadas, a esse respeito, pode ter uma vaga ideia das dificuldades de funcionamento desse modelo no contexto santomense.
O primeiro problema passa pela inexistência de ensino universitário no país, nomeadamente, ausência de faculdade de medicina. Os profissionais médicos recebem formação pré-graduada em países e realidades médicas tão díspares como Cuba, Moçambique, Macau, Brasil e, em muito menor número, em Portugal; A formação pós-graduada só aconteceu em apenas uma minoria dos que se dedicam à saúde da criança.

Uniformidade
Para que a diversidade seja um ganho, e não dispersão, é vital chegar a acordo e compromisso conjunto, entre as diferentes partes, quanto a atitudes e práticas que devem imperar no dia a dia assistencial de todos quantos se dedicam ao atendimento da população pediátrica.
A introdução de protocolos assistenciais, entendidos de forma partilhada a todos os níveis desse sistema em rede, é uma das formas de contribuir para a uniformidade das práticas.
Aproveitando a ocorrência epidémica anual do surto de diarreia aguda na população infantil, que todos esperam ocorrer no fim da Gravana, foi feita, junto dos responsáveis hospitalares e comunitários, a proposta de um protocolo de actuação, baseado nas recomendações da OMS, publicadas em site próprio. Na sua elaboração, foram tidas em conta as orientações do AIDI (Atenção Integrada às Doenças da Infância), plano elaborado no início dos anos 90 pela OMS e UNICEF.
A nível hospitalar, foi feita apresentação descritiva, sob responsabilidade da Drª Neyda, pediatra cubana, revendo aspectos da etiologia, fisiopatologia, apresentação clínica e princípios de actuação terapêutica.
A nível comunitário, com a colaboração do Dr. Edgar Neves, foi, em primeira fase, agendada reunião de discussão do protocolo com os Delegados de Saúde de todas as regiões da ilha de São Tomé e da ilha do Príncipe.




O ambiente da reunião foi o de uma conversa amena, com troca de impressões e conhecimentos, reflexão compreensiva sobre práticas e comparação de realidades de saúde infantil muito diferentes.
Na proposta feita, o acento foi colocado sobre as questões de utilidade e segurança na abordagem terapêutica. Um tratamento é tanto mais útil quanto maior é a probabilidade de alterar a história natural ou de eliminar as complicações da doença - a primeira tónica foi então o tratamento e prevenção adequados da desidratação.
O uso muito frequente de anti-eméticos ( metoclopramida e prometazina) e de antibióticos ( mesmo em casos de diarreia sem características de desinteria, em criança saudável) foi uma das principais diferenças relativamente à prática portuguesa. A este propósito, reflectimos sobre segurança da terapêutica - aspecto de primeira importância em pediatria - a qual requer que se abandonem as atitudes que, sendo supérfluas, podem em simultâneo acarretar riscos, muitos não remediáveis perante recursos escassos.


Formação nos Centros de Saúde
Posteriormente, com acordo dos delegados, participei em acções de formação de profissionais de enfermagem, destacados a trabalhar nos centros e postos de saúde das áreas de Caué, Canta-Galo e Mé-zochi.






Aproveitando tudo o que aprendi com a reunião junto dos delegados de saúde, agora a formação foi centrada no reconhecimento dos sinais de desidratação, na correcta classificação quanto à gravidade e no seguimento dos algoritmos de actuação, passo a passo, com cenários clínicos hipotéticos e discussão em jeito de pergunta-resposta.






Foi elaborado ainda um teste de resposta múltipla, a que os enfermeiros responderam no pré e no pós-formação, destinado a correcção e auto-avaliação.

Quando comecei a escrever pensei que seria o meu último post, mas ainda falta um.
Até breve.

sábado, 23 de outubro de 2010

Díade Mãe-Filho em São Tomé



A Mulher

Impressiona qualquer um a Mulher santomense: carrega alguidares de roupa durante quilômetros até ao rio, sem nunca perder o equilíbrio, e geralmente tem o peso adicional do bebé, que transporta sempre às costas, enfaixado em panos de cores garridas. Se marco uma consulta, e quando consigo que a mãe entenda o quão importante é não faltar, fazem 10 ou mais quilômetros a pé, depois de se levantarem de madrugada, e chegam ao serviço do hospital ainda antes de mim.


A taxa de natalidade da Ilha é das maiores do mundo, e a primeira gravidez ocorre em idade muito jovem, quase invariavelmente; não é raro encontrar mulheres que, com a mesma idade que em Portugal se inicia o estudo universitário, têm já um ou dois filhos.

Acresce que, mercê da cultura do pais, a mulher santomense se ocupa de tudo o que diz respeito à vida familiar, sem nenhuma actividade que lhe garanta sustento próprio e, pelo paradigma contemporâneo do Ocidente-Norte, a independência.

No que respeita à vivência familiar, essa dedicação a tempo inteiro constitui, em regra, o único elemento de constância relacional para a criança; observo também a carência de instituições comunitárias, como creches, escolas e parques infantis, capazes de garantir o estímulo complementar para o desenvolvimento integral da criança santomense. Esse desenvolvimento passa, então, por estas mães e pelo que são capazes de fazer enquanto desempenham esse papel.



A Criança

Mal nascem, independentemente do peso, são transportados às costas das mães, e começam a deambular muito cedo (alguns com 9 meses já dão os primeiros passos decididos). Em contraste com o excelente desenvolvimento motor, muitas crianças são muito pouco verbais, e é mesmo difícil conseguir que digam o nome ou a idade até depois dos 3 anos. Durante as consultas a maioria é calma, curiosa e as birras e as exigências perante os pais são raras. Crescem livremente, saudáveis ou doentes. Quando têm idade para ir à escola, andam quilômetros na berma da estrada para receberem a lição, sem medo, sozinhas.


A maioria não tem o leite, a carne ou o ovo como parte da sua alimentação. No contexto actual, o lúdico e a protecção da criança ainda não são valores firmemente assentes no quotidiano santomense.



Operação Nariz Vermelho no Hospital Ayres de Menezes

Com muito agrado, recebi a proposta de colaborar, participando, na primeira Operação Nariz Vermelho realizada no pais. A ONG T.I.A., representada pela Drª Mafalda Velez Horta, jurista de formação, e a viver na ilha há mais de dois anos, foi a entidade responsável pela organização e logística do evento.

A proposta nasceu de um encontro de sensibilidades sobre a necessidade de estimular as crianças internadas trazendo-as até um tempo de brincadeira pensado para elas.





Na iniciativa participaram voluntários santomenses e portugueses.





Surpreendidas de início...



Rendidas pouco depois...






O lúdico é ainda o recipiente ideal para passar mensagens, dentro de um processo de apropriação cultural.




O transporte da criança em posição lateral potencia os momentos de interacção mãe-filho, rosto com rosto, modelando afectos, linguagem e competências sociais em mãe e filho.

A ambição maior deste projecto é não ser um evento extraordinário, mas antes, repetindo-se, entrar na rotina hospitalar e nos hábitos da comunidade.

Abraço e até próximo post.







quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Visitas durante a Gravana

Chegada à ilha em plena Gravana, pude contar com visitas de profissionais do Hospital São João, ao longo dos meses de Agosto e Setembro.

Os cuidados diferenciados beneficiam o indivíduo

Representando o Serviço de Cirurgia Pediátrica do HSJ, o Dr Bessa Monteiro permaneceu uma semana no Hospital Ayres de Menezes. Durante a sua visita foi feita a reavaliação das crianças submetidas a cirurgia em Portugal ao longo deste ano. Sendo uma visita programada, foi possível organizar um tempo de consulta para avaliar crianças referenciadas pelos profissionais locais que pudessem beneficiar de intervenções cirúrgicas diferenciadas. As lesões malformativas (urogenitais, das extremidades) e fenda lábio-palatina foram os principais motivos de referenciação.
Com grande simplicidade, o Dr Bessa Monteiro preparou também uma breve exposição sobre os problemas cirúrgicos mais frequentes em ambiente ambulatório e respectivo tratamento. Durante a exposição foram muitos os momentos de discussão e troca de impressões entre o orador e os cirurgiões do Hospital Ayres de Menezes. Antes da despedida, tempo ainda para um jantar com o Dr Edgar Neves, onde, além do saldo positivo da visita, foram realçados os laços de amizade que unem os dois países e um património inestimável que partilham - a Língua portuguesa.



O Homem como Sujeito e Fim da Medicina

No final de Agosto, recebemos a visita da Drª Diana, profissional com experiência de campo na avaliação e intervenção nutricional na comunidade em países pobres da América do Sul e África. Em Portugal, integra a equipa de Nutrição pediátrica do Hospital São João.
Durante a estadia do meu colega Ricardo Bianchi, foi iniciado um estudo na população infantil da ilha para caracterização do seu estado nutricional, com formação e participação de enfermeiros e técnicos de nutrição locais, sob orientação da Drª Diana. O estudo, transversal, será realizado com a coordenação do Prof. António Guerra e com o apoio do Serviço de Estatística do Hospital São joão.
Os resultados da primeira amostra de crianças avaliadas (totalizando cerca de 90), apresentados em reunião hospitalar, sugerem que, além do problema da desnutrição, o problema da obesidade infantil também terá expressão significativa na ilha. Como sinalizado pela OMS, a obesidade, nomeadamente na população pediátrica, é um problema em crescendo, inclusivé em países pobres, fruto da deterioração dos hábitos alimentares, onde primam os produtos processados.
No contexto santomense, a ausência de agricultura e pecuária em média-grande escala, implica importação da maioria dos produtos alimentares, incluindo bens de primeira necessidade em nutrição infantil, como é o caso do leite, o que acarreta custos impossíveis de suportar para a grande maioria das famílias.
Durante os próximos meses, o estudo deverá ser alargado para abranger cerca de mil crianças, de forma a garantir representatividade e significado. A dimensão deste estudo representa um esforço no sentido de se conseguirem apontar caminhos e medidas de Saúde pública para melhorar a nutrição de todas as crianças da ilha como objectivo último. É bom ver a ciência ao serviço das pessoas.


Voluntariado na comunidade de Plateau

Além das minhas funções no hospital e nos centros de saúde, tive oportunidade de participar como voluntária na assistência a crianças pertencentes à comunidade de Plateau, uma das roças mais pequenas da Ilha, e pertencente à área de intervenção da Santa Casa da Misericórdia.
À minha chegada, acompanhada pela Filipa (uma das voluntárias da Santa Casa), parecia que não haveria crianças para a consulta. Mas, assim que se abriu o posto de saúde local, uma estrutura em madeira pintada, as crianças e as mães aproximaram-se devagarinho da porta.


Fui observando as crianças uma a uma, algumas merecendo referenciação a consulta hospitalar.


Um dos pequenos heróis nesse dia, chamado Natalino, tinha uma ferida profunda no 4º e 5º dedos da mão provocada por um machim. Suportou sem queixas a retirada do lenço que cobria a ferida, a desinfecção e a nova ligadura.


À medida que vou conhecendo estes pequenos e as suas histórias, vou alcançando, muito além do intelectual, o significado da palavra resiliência.
Abraço para todos de STP.

sábado, 25 de setembro de 2010

Chegada , impressões e realizações



Olá, chamo-me Rute Moura, completo a especialidade de pediatria dentro de alguns meses, e abracei o projecto de colaboração do serviço de Pediatria do Hospital São João com os cuidados de Saúde Infantil na Ilha de São tomé.

Aquando da minha chegada, em finais de Julho, decorreram as eleições para formação do novo governo na ilha, processo que decorreu pacificamente nas urnas de voto, como decerto saberão pela comunicação internacional. Em contraste com muitos países europeus, em São Tomé e Príncipe a taxa de abstenção foi quase nula, demonstrando o interesse da população no processo eleitoral. São Tomé é uma democracia jovem e por isso com grandes desafios pela frente, entre outros aspectos no que diz respeito à Saúde Infantil.


O meu colega de internato de especialidade, Américo, que me precedeu, integrou-me na dinâmica do Hospital Ayres de Menezes, onde participo diariamente, no internamento e na consulta externa, com actividade assistencial.



Continuidade

Deixou, com a sua partida, um protocolo para recuperação e reabilitação de crianças com malnutrição aguda grave provenientes de diversos locais da ilha. Esse protocolo contempla um espaço próprio, individualizado dentro da enfermaria geral, para acolher estas crianças, bem como medidas nutricionais e farmacológicas, tendo por base as recomendações da Organização Mundial de Saúde.


Com todo o gosto, e reconhecendo-lhe mérito, vou acarinhando esse projecto, a braços com dificuldades diárias relacionadas com o baixo nível educacional das mães, a estrutura familiar precária, os recursos escassos a nível hospitalar e comunitário e as crenças culturais ainda bem enraizadas no espírito popular.

Por exemplo, algumas comunidades recusam oferecer leite artificial ao bebé após o nascimento quando o leite materno é insuficiente para garantir o seu crescimento.


Nesse esforço, conto todos os dias com a presença, apoio e inteligência de uma colega santomense que merece toda a minha admiração – a Drª Swasilanne Sousa.



Logo após as primeiras semanas tornou-se bastante claro que o maior desafio não será tanto o inovar – as necessidades são imensas – mas o dar continuidade e sustentabilidade às iniciativas que se escolham, ponderadamente, fazer.

Neste sentido, a minha contribuição para a “Enfermaria de Nutrição” incluiu até ao momento o aspecto assistencial (direccionado à criança doente), o aspecto educacional ( junto das mães) e o aspecto formativo (direccionado aos profissionais de saúde).


Gostaria de me demorar mais um pouco neste último ponto.


Capacitar para Desenvolver

A formação e capacitação dos profissionais locais constitui, provavelmente, a melhor oportunidade de contribuir para o desenvolvimento e qualidade sustentados dos serviços de saúde dedicados à criança.


Como tal, organizamos, eu em paridade com a Drª Swasilanne, um curso de formação vocacionado para os enfermeiros do serviço, acerca do seu papel numa enfermaria deste tipo. No curso, com duração de dois dias, foram contemplados aspectos puramente técnicos, nomeadamente as medições antropométricas, o uso das curvas da OMS para monitorizar o crescimento e o estado nutricional, e os critérios da OMS para malnutrição infantil segundo a sua gravidade; seguiu-se uma descrição sobre as determinantes específicas locais para a malnutrição infantil que existe na ilha; e por último uma reflexão sobre as atitudes e competências que deverão existir na equipa de enfermagem para melhorar os cuidados prestados em ambiente hospitalar.


Os registos como espelho de atitudes

Um componente importante desta formação foi a elaboração e discussão de um protocolo de registo sistemático de dados clínicos pelos enfermeiros, de modo a serem comtemplados, sem esquecimento, todos os necessários à tomada de decisões terapêuticas na criança malnutrida.



Conhecer o que se tem, monitorizar o que se faz

Foi elaborado também, e aguarda aprovação, um protocolo de seguimento destas crianças após a alta hospitalar, flexível em duração, num tempo programado mínimo de 6 meses.

Este protocolo foi baseado em documentos oficiais da OMS, publicados e acessíveis no respectivo site oficial. Contempla os dados individuais, dados somatométricos evolutivos, dieta real após a alta, comorbilidades detectadas e variáveis socioeconómicas da família e comunidade, que importa conhecer para planear intervenções futuras.

Em primeira fase, esse seguimento será realizado por profissionais do Hospital Ayres de Menezes.

A finalidade é assegurar uma recuperação nutricional a longo prazo quando a criança volta às vulnerabilidades do seu próprio contexto sociofamiliar, só possível, no momento actual, com a coordenação das estruturas de saúde nas comunidades locais e com o apoio de organizações como o PAM.

O envolvimento da saúde comunitária é por isso imprescindível e um enorme desafio.


O melhor em qualquer lugar do mundo

Entre dificuldades e trabalhos posso também contar diariamente com pequenas grandes alegrias...



Na próxima semana espero poder já escrever as outras novidades que ainda ficaram por contar.

Um abraço para todos de São Tomé.